Formalmente proclamado o total rompimento do Brasil
em princípios de setembro de 1822, oficialmente conhecida como ato da Proclamação da Independência,
tornou-se indispensável dar uma nova contextura
política ao País. Somente para
esclarecer bem o/a leitor/a, em verdade o Brasil já ganhara sua
independência política, em
15 de dezembro de 1815, quando fora
elevado de sua condição de Vice-Reino, embora já sede da Monarquia desde
janeiro de 1808,
para a condição de Reino Unido ao de Portugal e Algarves.
Quando ainda sediada em terras Brasileiras, a Coroa Portuguesa passou por profundas transformações
que tiveram como resultado a eclosão da Revolução Constitucionalista
do Porto, na Europa, levando a Monarquia a findar o largo período absolutista
que vinha desde sua fundação como nação.
Sua
Majestade Fidelíssima el Rey Dom João VI, mesmo no Brasil, chegou a ser
forçado a jurar por uma constituição
que todavia não fora escrita mas,
que lhe deixara muitíssimo claro não mais reinaria como monarca absoluto
– iniciava-se
em seu reinado o princípio da
constitucionalização do Regime Monárquico face aos ventos de mudança que
sopravam na Europa
findada as guerras napoleônicas.
O Brasil tornando-se Sede da Coroa por ocasião das guerras na Europa, viu-se jubilosamente beneficiado pelas
mudanças que passaram a ocorrer – desenvolveu-se o País, em sete anos
tornou-se
Reino, com todas as prerrogativas
que uma independência justa e pacífica a que lhe fazia jus, mostrando ao
conjunto rebelde
de sua vizinha América Espanhola que
sua independência fora fruto de uma gradativa porém rápida evolução
natural de sua sociedade
ante a presença do Poder Real em
solo americano.
Voltando
ao relatado no segundo parágrafo, ocorreram substanciais mudanças
dentro do próprio regime que irremediavelmente
forçaram a volta de el Rey à Lisboa
(Sua Majestade Fidelíssima voltara muito a contra-gosto – tinha em a
grande visão
de construir e manter o Império em
solo Brasileiro). Com a abertura das Côrtes Constituintes em Lisboa, o
Brasil, como País
independente porém unido sob a mesma
coroa, envia representantes eleitos para participarem da elaboração da
que seria a primeira
Carta Constitucional do Império
Português, dando início à uma complexa reforma de todo o regime até
então vigente.
Somente
em seu princípio, os trabalhos das Côrtes Constituintes iniciaram-se
bem aos interesses do Brasil, até
quando a representação portuguesa,
que era maioria, passou a apoiar a revogação de todos os atos régios
concernentes à independência
política e econômica do Reino do
Brasil. Verdadeiramente tratava-se de um processo de recolonização ao
patamar anterior ao
de 1808, onde somente a Câmara de
Lisboa deveria deter o poder do que era ou não era permitido ao então
novo reino americano,
em detrimento da já consolidada
Assembléia Geral do Rio de Janeiro.
Verdadeiramente
ultrajados por tamanhas disparidades apresentadas diante das Côrtes
Constituintes em Lisboa,
os representantes Brasileiros
retiram-se das mesmas e regressam ao Brasil, onde apoiados por sua
elites locais já não poderiam
suportar um rebaixamento de tamando
porte - acercam-se do augusto Príncipe Regente, o Senhor Dom Pedro de
Alcântara, Herdeiro
da Coroa convencendo-o a ficar no
Brasil.
Já
na Europa, el Rey não mais detinha real poder de indispor-se ante as
Côrtes Constituintes, não restanto à
este senão aconselhar seu mui amado
filho, por cartas pessoais, estimulando-o a sim resistir e ficar no
Brasil, pois este
se separando, deveria manter-se
unido não somente sob sua liderança, bem como principalmente em sua
continental dimensão geográfica,
evitando-se o que catastroficamente
passou-se com toda a América Espanhola.
Pesquisando
e lendo em muitos dos textos e comentários da época, é bastante claro
supor que el Rey Dom João
VI, em sua grande sapiência política
chegou a visionar quatro grandes possibilidades bastante possíveis ao
que poderia vir
a ser o destino do Brasil caso
regressasse ou negasse a regressar ao velho mundo – são eles:
1. Se
recusasse a regressar à Europa, perderia ele e seus sucessores todo e
qualquer direito dinástico sobre o
território português, segundo as resoluções do Congresso de Viena após a
guerra, porém
converteria o Brasil definitavemente
sede do grande Império Americano que muitos de seus antepassados
chegaram a idealizar,
mas somente ele a concretizou, com a
subordinação ainda que por treze anos consecutivos de todas as outras
colônias ultramarinas
diretamente ao Rio de Janeiro;
2. Não
procedendo as intenções das elites portuguesas e estas sendo
definivamente
derrotadas nas Côrtes Constituintes
em Lisboa em retroceder o Brasil, vitoriáva-se a manutenção da
independência dos dois
reinos - sua visão pela manutenção
do benéfico “status quo” traria não somente à Portugal, mas
principalmente
ao Brasil inúmeros benefícios pela
manutenção do imenso Império Português – seria como uma espécie de
Commonwealth Britânica
dos dias de hoje existente em países
como Canadá, Austrália, Nova Zelândia, entre muitos outros, onde estes
são completamente
independentes da Inglaterra porém
têm o maior orgulho de manterem como seu Chefe-de-Estado o/a monarca
britânico/a;
3. Inevitável
a separação do Reino Unido do Brasil face a vitória esmagadora
pelo processo de retrocesso político
ao mesmo, estando seu filho na cabeça do Estado Brasileiro,
conservar-se-ia a unidade
territorial do Brasil, e este não
seria hostil à sua pátria-mãe, e ainda como Chefe-de-Estado do Brasil,
mais tarde, obrigatoriamente,
tornar-se-ia Rei de Portugal e
talvez poderia propor uma nova re-estruturação contornando a delicada
situação política e novamente
unir as duas coroas, evidentemente
ratificando e respeitando a total independência dos dois reinos, porém
sob a mesma coroa
– esta possibilidade, dentre as
quatro apresentadas, foi a que vingou, porém não levando em conta a
reunificação das
coroas brasileira e portuguesa –
optou-se pela separação total;
4. Derrotados
os Constituintes Brasileiros e regressando seu filho à Europa,
inevitavelmente testemunharia o
então Reino do Brasil o seu esfaçelamento em uma série de repúblicas,
umas tentando tragar
as demais, face às falsas idéias de
liberdade campeantes, a falta de verdadeiros líderes capazes de manter a
ordem e, principalmente,
o surgimento do contagiante
caudilhismo latino americano que já devastava o restante do continente –
esta última visão,
certamente era a que mais Dom João
VI verdadeiramente empenhou-se em evitar que ocorre-se, pois a
permanência de seu filho
o Príncipe Regente possibilitava uma
entre a segunda ou terceira visão pela manutenção da integridade do
Império.
Bem,
depois de haver passado à limpo um pouco da história que precede a
independência, elucidando alguns pontos
importantes antes de chegarmos à
outorgação da primeira constituição, espero que o prezado/a leitro/a
tenha começado a captar
a grandiosidade da situação da
época.
É
conveniente lembrar que durante a instauração das Côrtes Constituintes,
no Brasil fora criada ao mesmo tempo
uma Assembléia Geral Constituinte
mas que fora fechada por ordem das Côrtes em Lisboa. A segunda
assembléia fora convocada
imediatamente após o ato de
independência, porém esta também chegou a ser dissolvida pelo próprio
Poder Moderador em virtude
da falta de concenso entre as elites
representativas, que ao ver de muitos estariam a ameaçar em muito a
ordem estabelecida,
podendo levar o país à uma secessão
irreversível. O tempo era pouco, daí já no dia 25 de março de 1824, a
Primeira Constituição
do Brasil fora outorgada e, como não
poderia deixar de ser, trouxe em seu bojo muitíssimos dispositivos de
ordem político-social-eleitoral.
Penso
ser de uma leviandade muito grande que muitos e, principalmente, a
historiografia oficial denominem a
primeira constituição como
antidemocrática. Vejam bem, àquela época, o teromo democracia não
detinha a definição como em nossos
dias, e vale muito bem frisar que o
Brasil já se encontrava na vanguarda do mais moderno liberalismo
existente no que tange
nitidamente a palavra democracia,
principalmente que em qüatorze anos (1808-1822), consegüiu
impulsionar-se de maneira impressionante,
em todos os aspectos,
político-econômico-social, sem o cataclisma caudilhesco que assolou o
restante de sua vizinha América
Espanhola.
A
Constituição Imperial do Brasil foi a que mais tempo durou, e durou
pelo simples fato que era uma carta justa
para a sociedade da época e,
principalmente, aberta à interpretações e adequações de acordo com os
tempos vindouros. Por ela,
segundo as necessidades e costumes
da época, o voto era censitário: só podia votar quem tivesse uma renda
mínima de cem mil
réis anuais. Para ser votado, a
renda era maior ainda. E as eleições por consegüinte, eram realizadas de
maneira indireta.
Elegia a massa de cidadãos ativos em
assembléias paroquiais os eleitores de província e estes os
representantes da Nação e
suas respectivas províncias.
Obviamente, prezado/a leitor/a, que assim o processo eleitoral deveria
partir e evoluir-se.
A
Contituição Imperial era tão prática quanto perfeita, pois permitiu que
no II Reinado, fosse instituído o
Parlamentarismo com suas
peculiaridades e adequações às necessidades do País e seguramente o
sistema eleitoral já encontráva-se
em processo de re-estruturação para
sua modificação no III Reinado entrante, sob a égide de uma mulher como
Chefe-de-Estado,
que seria Dona Isabel I, a Redentora
dos Escravos.
Deve-se
frisar que muito provavelmente, caso Dona Isabel chegasse a reinar
verdadeiramente em solo Brasileiro
– não existe qualquer dúvida que os
direitos da mulher, dentre eles inclusive o de votar, seriam amplamente
defendidos
e postos em prática como
continuidade da evolução social e política Brasileiros.
Evidentemente,
isso não ocorreu, tal como sabemos, ainda que de ouvidos surdos e olhos
bem cegos – um
mingüado grupo de republicanos
conseguiu instaurar a república no Brasil e assim pôr fim ao longo
período de paz e verdadeira
prosperidade político-social nesta
monarquia constitucional e parlamentarista – introduziram os golpes, os
estados-de-sítio,
o fechamento do congresso,
proibiu-se a livre expressão, tudo em nome do que era vindo dos ideais
republicanos e democratas
– não se dera conta o povo que estes
sim acabaram com a verdadeira democracia que havia, esta havia sido a
Monarquia
Constitucional e Parlamentarista do
Brasil.
O Poder Legislativo constituía-se em Assembléia Geral do
Império e era
formado pela Câmara dos Deputados,
eletiva e temporária, e pelo Senado do Império (o senador, como nos dias
de hoje, tinha
como funções protocolares
representar os interesses de sua província e governo local – segundo a
constituição, eram
eleitos, segundo as leis eleitorais
da época, três senadores por província, onde um deles era nomeado pelo
Poder Moderador
para ocupação do cargo até sua
morte).
O Poder Judiciário, os juízes dos tribunais eram nomeados pelo Poder Moderador.
O
Poder Executivo, até a introdução do parlamentarismo, era presidido
também pelo Imperador. Com o parlamentarismo,
o governo passou a ser
responsabilidade exclusiva do Presidente do Conselho de Ministros (quem
realmente governava o Brasil),
que era um membro da Assembléia
Geral, passando este a prestar contas de todos os negócios e contas
relativos ao Governo Imperial,
referendados, negados e sancionados
todos os seus atos pelo Legislativo e conseqüentemente pelo Poder
Moderador.
Era
ainda de delegação exclusiva do
Poder Moderador, fechar a Assembléia Geral, demitir juízes do Supremo
Tribunal e convocar
tropas para cumprimento de
estado-de-sítio ou de defesa. Ora, prezado/a leitor/a, o que lemos aqui,
notem bem que estas prerrogativas
eram delagadas ao Imperador como
Chefe-de-Estado, porém em seu longo e próspero reinado, jamais a
Assembléia Geral fora fechada
arbitrariamente, decretação de
estados-de-sítio ou de defesa nem se quer. Para contra-balançar, já na
república, seu primeiro
ato fora exilar o Grande Imperador e
Sua família, sitiar o Rio de Janeiro, por à pique a ex-Esquadra
Imperial e tantos outros
funestos acontecimentos que nos
preenchem de vergonha até nossos dias.
Nesta
Constituição de 1824, a Igreja Católica fora reconhecida como ainda
religião oficial do Estado, permitindo
o culto doméstico ou partitular das
demais outras - seu Chefe era o Imperador. Toda e qualquer resolução
emitida pelo Vaticano,
obrigatoriamente deveria passar
pelas do Imperador para ratificação e execução das mesmas resoluções e
orientações religiosas.
A
Constituição do Império do Brasil
pode, assim, ser considerada o grande e mais orgulhoso marco inicial,
como Nação, da evolução
não somente do Direito Eleitoral
Brasileiro, embora não se desconheçam anteriores disposições eleitorais,
mas de todo um conjunto
de direitos e deveres, coletivos e
individuais, verdadeiramente dígna de ser declarada DEMOCRÁTICA para sua
época, unido ou
não sob a mesma coroa junto à
Portugal.
A primeira instrução eleitoral, como Monarquia Constitucional Independente, foi baixada por decreto e, a rigor,
deve ser considerada como a primeira lei eleitoral do Brasil.
Entrou em vigor um dia após a outorga da Constituição e vigorou por mais de vinte anos.
Yitzhak Frank Katan
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